Inteligência artificial já redige milhares de decisões no Tribunal de Justiça do RS

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) consolidou o uso de inteligência artificial na elaboração de decisões judiciais. Em apenas um mês de operação, a ferramenta generativa denominada Gaia Minuta produziu mais de 95 mil minutas — rascunhos que, após revisão humana, tornam-se despachos e sentenças. O dado integra um conjunto de informações obtidas junto à Corte e ilustra a aposta do Judiciário gaúcho na tecnologia para ampliar produtividade e reduzir a fila de processos.

Lançada oficialmente em 12 de junho de 2025 e liberada gradualmente a magistrados e servidores, a plataforma exige que cada usuário passe por treinamento prévio. O sistema opera sobre dois grandes modelos de linguagem: Claude, da Anthropic, distribuído pela Amazon, e Gemini, do Google. Ambos são exemplos de IA generativa, capazes de criar texto inédito a partir de comandos, diferindo de aplicações voltadas apenas à automação de tarefas repetitivas.

O procedimento adotado pelo TJRS mantém o juiz no centro da decisão. Primeiro, o magistrado analisa o processo e forma sua convicção. Em seguida, insere um prompt no sistema, indicando se pretende condenar, absolver, prover ou rejeitar um recurso, além de apontar os elementos probatórios relevantes. Em poucos segundos, a minuta aparece na tela. Somente após revisão e eventual ajuste manual o texto é transformado em decisão judicial válida.

Por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o magistrado continua integralmente responsável pelo resultado. A Corte gaúcha impõe limites adicionais: a IA acessa apenas o banco de dados interno, sem pesquisas abertas na internet, e busca apoiar-se no histórico de julgados de cada juiz para preservar coerência jurídica e textual. Essa configuração pretende conter as chamadas “alucinações”, quando o modelo inventa informações inexistentes.

Apesar das salvaguardas, o TJRS registra índice de erro de 3%. Segundo a administração, a taxa corresponde a falhas detectadas na revisão e é considerada inferior ao patamar observado quando a produção é exclusivamente humana. Ao todo, no primeiro mês, os magistrados solicitaram 53,9 mil revisões de textos gerados pela Gaia e recorreram a 27 mil resumos automáticos para compreender os processos antes de decidir.

A experiência surgiu de forma experimental em 2023, mas ganhou tração após as enchentes que atingiram o Estado em 2024 e comprometeram parte das instalações físicas do tribunal. Em resposta, em 21 dias, todos os sistemas e bases de dados migraram para a nuvem, etapa que permitiu acoplar os motores globais de inteligência artificial atualmente em uso.

Na prática, a eficiência já se reflete em alguns gabinetes. Na 15ª Câmara Cível, comandada pelo desembargador Clóvis Moacyr Mattana Ramos, a maior parte dos processos é julgada no mesmo dia em que chega, respeitados os prazos legais. O magistrado relata redução de até 80% no tempo gasto para redigir votos. A meta da administração é estender padrão semelhante a outras unidades, diminuindo o estoque de ações pendentes.

Embora entusiastas desta transformação apontem ganhos de tempo e qualidade, o uso da ferramenta ainda é cuidadoso. Na 4ª Vara Criminal de Caxias do Sul, a juíza Taise Velasquez Lopes afirma sentir-se mais confortável em empregar a IA em casos de absolvição, considerados menos complexos em termos de fundamentação. Nos primeiros testes, ela comparou sentenças humanas com versões geradas pela Gaia e relatou precisão satisfatória, sem ocorrência de “alucinações”.

Para a Corte, a principal vantagem da inteligência artificial está na capacidade de processar grande volume de informações em processos extensos, tarefa que demanda horas de leitura quando realizada exclusivamente por assessores. Mesmo assim, a administração sustenta que o ato de julgar não pode ser delegado. O presidente do Conselho de Inovação e Tecnologia, desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, compara a atuação da IA à de um assessor, reforçando que cabe ao magistrado decidir, revisar e assumir a responsabilidade pela sentença.

Com mais de 95 mil minutas geradas em trinta dias, 53,9 mil textos revistos e 27 mil resumos consultados, a Conexão Gaia se tornou componente relevante da rotina do TJRS. A expectativa da instituição é avançar na redução do tempo de tramitação e manter a taxa de acerto acima de 97%, sempre com revisão humana obrigatória e aperfeiçoamento contínuo dos modelos.

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