Empresas de IA lançam navegadores próprios e disputam controle da experiência on-line

Depois de popularizar os chatbots, companhias de inteligência artificial passaram a mirar o próximo elo da cadeia digital: o navegador. Na última semana, a norte-americana Perplexity apresentou o Comet, explorando um conceito de navegação em formato de diálogo que resume conteúdos, interage com páginas e executa tarefas diretamente na tela. A OpenAI, criadora do ChatGPT, prepara produto semelhante, enquanto o Google começou a inserir o sistema Gemini no Chrome, inicialmente para assinantes. O movimento sinaliza uma disputa para transformar o navegador na principal porta de entrada da IA ao cotidiano on-line.

Como funcionam os novos navegadores

No Comet, a tradicional barra de endereços permanece disponível, mas o recurso central é uma caixa de conversa que já surge na página inicial. Ao lado, uma aba denominada Assistente analisa qualquer página aberta. O usuário pode solicitar, por exemplo, um resumo de um vídeo no YouTube, comparar preços entre lojas virtuais ou pedir que o sistema trace rotas no Google Maps, tudo sem alternar janelas. A ferramenta também lê e-mails, agenda reuniões e adiciona itens ao carrinho de compras caso o internauta esteja autenticado em serviços de comércio eletrônico.

A Perplexity afirma que a tecnologia de visão de tela permite à IA “enxergar” elementos gráficos e tomar decisões contextuais, característica considerada fundamental para o avanço dos chamados agentes autônomos — softwares capazes de executar sequências inteiras de ações sem comando humano a cada etapa. Para Aravind Srinivas, presidente da empresa, oferecer um navegador próprio é o caminho natural para viabilizar esses agentes no dia a dia.

Eficiência versus diversidade informacional

A proposta central das empresas é reduzir atritos: a IA filtra resultados, sintetiza textos e executa cliques em lugar do usuário. Pesquisadores, entretanto, apontam riscos. Fernando Ferreira, do NetLab da UFRJ, observa que a simplificação pode diminuir a diversidade de fontes acessadas, já que parte do tráfego tende a se concentrar nas respostas condensadas pelo algoritmo. Além de limitar o contexto disponível ao leitor, esse modelo ameaça a sustentabilidade de sites que dependem de visitas para gerar receita.

Outro ponto de preocupação é a governança dos dados. Tulio Chiarini, do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea, lembra que navegadores são peças estratégicas para coleta de informações de comportamento. Quanto mais tempo o usuário permanece no ambiente da empresa, maior o volume de dados disponível para personalização de respostas e segmentação de anúncios. Embora a Perplexity declare que o processamento ocorre localmente, o acesso simultâneo a telas, e-mail e aplicativos alimenta dúvidas sobre privacidade e segurança.

Modelo de negócios e estratégia de retenção

Ao integrar busca, navegação e assistente em um único produto, companhias de IA replicam a lógica que consolidou o Chrome como parte essencial do ecossistema do Google. Srinivas descreve a iniciativa como “retenção infinita”: manter o usuário dentro do mesmo fluxo minimiza saídas para concorrentes e abre novas frentes de monetização. Hoje o Comet exige assinatura anual de US$ 200 (aproximadamente R$ 1,1 mil), mas a startup informa que pretende liberar o serviço para todos no futuro.

O Google, por sua vez, aposta na integração gradativa do Gemini, oferecendo funções de resumo automático e geração de textos diretamente no Chrome para quem assina o plano Google One. Já a OpenAI não divulgou detalhes oficiais, mas veículos norte-americanos indicam que o navegador da empresa deve chegar “nas próximas semanas”, aproveitando a base de usuários do ChatGPT para impulsionar a adoção.

Desafios dos agentes autônomos

A expansão dos chamados agentes traz questionamentos adicionais. Sistemas capazes de comprar produtos, enviar mensagens ou alterar calendários correm o risco de cometer erros ou serem manipulados por sites maliciosos. Especialistas defendem transparência sobre critérios de decisão, registro de ações da IA e mecanismos claros de responsabilização em caso de falhas.

Apesar das incertezas, Ferreira reconhece que os agentes podem gerar ganhos de produtividade ao agregar dados dispersos e executar tarefas repetitivas. Para o pesquisador, o uso consciente envolve avaliar quando a automação realmente acrescenta valor, mantendo senso crítico sobre o resultado entregue e verificando a fonte original quando necessário.

Próximos passos na disputa

Com Google, OpenAI e Perplexity acelerando investimentos, o navegador ganha status de peça-chave na corrida da inteligência artificial. A consolidação de experiências conversacionais coloca em xeque o modelo tradicional de busca e ameaça redistribuir audiência na web. Enquanto a promessa de eficiência atrai usuários, aspectos como diversidade informacional, privacidade e transparência definirão o quão ampla será a aceitação desses novos ambientes.

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