O uso de câmeras com reconhecimento facial já está presente em aproximadamente 1 milhão de condomínios residenciais no Brasil, de acordo com estimativa da Associação Brasileira de Síndicos de Condomínio (Abrascond) cruzada com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O crescimento da tecnologia, porém, ocorre em meio a incertezas sobre quem coleta, armazena e protege esses registros considerados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Dados sensíveis nas mãos de terceiros
Empresas responsáveis pelos sistemas guardam imagens de rostos, CPF, número de apartamento e históricos de entrada e saída dos moradores, inclusive crianças, muitas vezes sem qualquer supervisão formal. Casos de vazamento, como o ocorrido em prédios de Jundiaí (SP), e fraudes no portal gov.br reforçam o risco associado ao uso indevido dessas informações.
Fiscalização limitada
Pela LGPD, cabe à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) fiscalizar o setor e aplicar multas que podem chegar a R$ 50 milhões. O órgão afirma estar ciente da expansão da biometria facial em condomínios e incluiu o tema “uso de reconhecimento facial em áreas públicas” como prioridade de fiscalização para 2024-2025. Mesmo assim, a ANPD não informou se já realizou auditorias em edifícios residenciais.
Em fevereiro, a agência apontou indícios de irregularidades no emprego da tecnologia por 23 clubes de futebol na venda de ingressos e acesso a estádios, citando falta de transparência e tratamento inadequado de dados de crianças e adolescentes.
Consulta pública e participação tímida
Desde junho, a ANPD mantém aberta uma consulta pública sobre biometria facial, que recebe contribuições até 1º de agosto. Até 11 de julho, apenas 22 manifestações haviam sido registradas. O formulário aborda prevenção a fraudes, garantias de acesso e correção de dados pelos titulares e divulgação clara de informações.
Especialistas cobram atuação conjunta
Para o cientista-chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio), Ronaldo Lemos, a autoridade deveria ter agido quando os primeiros condomínios adotaram o recurso. Já a advogada Patrícia Peck avalia que outros órgãos, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério Público, também poderiam fiscalizar equipamentos e procedimentos.
Cadeia de responsabilidade nebulosa
Geralmente, uma empresa fornece as câmeras e outra armazena os dados, cenário que dificulta identificar quem responde por eventuais falhas, segundo Thallita Lima, coordenadora do projeto O Panóptico, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC). Síndicos costumam confiar que as prestadoras cumprem o contrato, mas raramente recebem relatórios formais de segurança, relata o advogado Robson César, do Sindicato dos Condomínios do Estado de São Paulo (Sindicond).
A Abrascond recomenda que assembleias condominiais exijam relatórios semestrais detalhando medidas de proteção, fluxo de tratamento e incidentes. “Se não houver padrão, a assembleia deve aprovar um modelo e incluir a obrigação no contrato”, orienta o presidente da entidade, Reginaldo Silva.
Riscos difíceis de reverter
A biometria facial cria uma chave de identificação que, diferentemente de senhas, não pode ser trocada após um vazamento. Com rosto e CPF, criminosos conseguem abrir contas bancárias, solicitar empréstimos e simular prova de vida no INSS. Lemos destaca que muitos prédios utilizam o nível básico de segurança, suscetível a falsos positivos. Há relatos de pessoas com traços parecidos que conseguem entrar em portarias sem autorização.
Direito de recusar e apagar dados
Embora a LGPD assegure alternativas para quem não deseja cadastrar o rosto, a opção raramente é apresentada. Quando moradores pedem exclusão das informações, o processo costuma ser informal, via e-mail ou mensagem de aplicativo, sem comprovante da exclusão.
Brasil entre os líderes em câmeras inteligentes
Levantamento da Top10VPN coloca o país na 15ª posição mundial em redes de vigilância com reconhecimento facial, com mais de 266 mil sistemas — muitos fabricados pelas chinesas Hikvision e Dahua.
Com informações de g1