O aumento do uso de modelos de inteligência artificial generativa tem colocado o travessão sob suspeita como possível marcador de textos produzidos por robôs. Debates sobre o tema circulam em português, inglês, espanhol e francês, impulsionados por publicações em redes sociais e fóruns especializados.
No LinkedIn, a discussão envolve profissionais de recursos humanos que buscam identificar cartas de apresentação escritas por candidatos e docentes interessados em confirmar a autoria de trabalhos acadêmicos. O coordenador do Núcleo de Linguística Computacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Evandro L.T.P. Cunha, relata ter substituído travessões por parênteses para evitar associações automáticas a sistemas de IA.
Ferramentas de detecção, como a lançada pela plataforma Grammarly, prometem apontar textos gerados por algoritmos, mas ainda exibem taxas de erro consideráveis. Segundo Cunha, esses recursos funcionam melhor quando comparam conjuntos conhecidos de textos de um mesmo autor, mas têm desempenho inferior ao avaliar material desconhecido.
A dificuldade de verificação vem alterando práticas acadêmicas. Professores de universidades federais têm reduzido tarefas realizadas fora da sala de aula e recorrido a avaliações orais após identificarem padrões de “alucinação” — trechos desconexos ou mudanças abruptas de tema comuns em respostas de modelos gratuitos.
Especialistas lembram que o travessão é pontuação amplamente empregada por escritores humanos. Na “Moderna Gramática Portuguesa”, o linguista Evanildo Bechara lista usos como substituir vírgulas ou indicar mudanças de interlocutor. A desconfiança crescente, porém, é atribuída ao fato de o sinal exigir atalhos pouco acessíveis na maioria dos teclados, figurando com mais frequência em textos profissionais que alimentam bancos de treinamento de IA.
Empresas do setor trabalham em métodos de autenticação. A OpenAI desenvolve há anos um sistema de marca d’água invisível para rastrear a produção de seus modelos, conceito semelhante ao proposto por pesquisadores da Universidade de Maryland, que sugerem inserir padrões discretos no vocabulário gerado.
Enquanto soluções técnicas não se tornam padrão, profissionais da escrita continuam recorrendo à observação direta. A escritora Noemi Jaffe, usuária de diferentes sistemas de IA, afirma reconhecer traços recorrentes: desenvolvimento excessivo de ideias, previsibilidade e ausência de hesitação, características que, para ela, contrastam com a produção literária humana.